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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

De vigarinho de Campinas à algoz do padinho de Juazeiro

   Em terras campineiras ele era carinhosamente chamado de vigarinho, que para alguns de seus biógrafos devia-se a sua pequena estatura, o mais provável, porém, era que o chamassem assim como forma de homenageá-lo e, ao mesmo tempo, mostrar repúdio à decisão do Império de negar-lhe a manutenção no cargo de Vigário de Campinas, que já ocupava há três anos.
   Os relatos sobre a existênca de Joaquim José Vieira em Campinas apresentam um homem de bondade, firmeza de caráter e formação intelectual que o destacava entre seus pares, leigos e religiosos. A fundação da Santa Casa de Misericórdia foi, entre outras, sua maior obra na cidade. Para que sua memória fosse lembrada pelas futuras gerações a então rua da Misericórdia passa a ter seu nome e um monumento-túmulo é construído no bosque em frente ao hospital (atualmente, sem os despojos, o monumento continua em frente à Santa Casa).


   Contudo, Joaquim José Vieira só foi "vigarinho" para os campineiros. Para a população do Ceará, e mais precisamente a de Juazeiro do Norte, ele foi o poderoso Dom Joaquim José Vieira, Bispo do Ceará, o principal responsável pelas perseguições sofridas pelo padre Cícero Romão Batista.


   Dom Joaquim assume aquele bispado em 1884, num período de grande efervecência do processo de romanização da Igreja Católica, com sua proposta de um catolicismo universalista e o combate ao chamado catolicismo santorial. No ano de 1889, um pouco antes do fim do regime do padroado, que deixou de existir junto com o Império, ocorre em Juazeiro o conhecido "milagre da hóstia".
   Dois anos depois (1891), com a Igreja brasileira oficialmente já romanizada e as relações com o Estado  reatadas, era necessário fazer cessar a movimentação que crescia em Juazeiro desde que a "beata" Maria de Araújo foi incapaz de deglutir a hóstia consagrada pelo padre Cícero, pois, acreditam os fiéis, a partícula transformou-se em sangue vivo. O fenômeno se repetiu por 47 vezes.





   









O vigarinho, ou Dom Joaquim José Vieira, agiu em conformidade com as determinações da Sé Romana. Não foi isso, porém, que avaliou o Padre Cícero. Falecido em 1934, com 90 anos, ainda buscava voltar à atividade eclesiástica. Para ele, que nunca responsabilizou a Igreja como um todo, o bispo havia cometido um erro grave ao concluir que os fenômenos de Juazeiro eram simplesmente um embuste. Uma das acusações sobre Dom Joaquim foi o fato de ter, praticamente, forjado um relatório que apontava a inexistência de qualquer sobrenaturalidade no ocorrido. Isso depois de um primeiro relatório, elaborado por comissão de clérigos e estudiosos nomeada pelo próprio bispo ter dado paracer totalmente diferente, recohecendo a sobrenaturalidade dos fenômenos apurados. Com base no segundo relatório, o bispo proibiu o padre de pregar, confessar, dar conselho aos fiéis e celebrar missa. Maria de Araújo foi humilhada, torturada e, por 22 anos, enclausurada em um convento até sua morte em 1914, com 51 anos.

 


 
Atriz interpreta a beata

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
  
 
 
 
 
 
 
   No mesmo 1914, após 30 anos, Dom Joaquim retorna à Campinas, onde passará seus últimos anos de vida. Depois de ter renunciado ao bispado do Ceará, recebeu o título honorífico de Arcebispo Titular de Cyrro.
   Já o "padinho", que viveu duas décadas além do "vigarinho", mesmo sem ter o que mais queria, continou sendo, cada vez mais, uma referência religiosa aos milhares de romeiros que já se dirigiam à Juazeiro, além de poderoso líder político do Ceará.






Enterro do Pe. Cícero
    Entre o vigarinho e o padinho foi a negra, pobre e analfabeta Maria de Araújo quem sofreu a maior violência de um mundo recém saído da escravidão, no qual uma mulher nas suas condições nada valia.

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