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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Morto não tem vontade



É da nossa cultura ter alguma consideração pelas vontades e desejos deixados por aqueles que “bateram as botas”. Mas, quase sempre a tensão do momento da morte ou limitações financeiras, por exemplo, deixam o defunto a “ver navios”.
Contudo, dificilmente encontraremos um caso tão simbólico de desrespeito à vontade do morto como no de Antonio Carlos Gomes. Trazer seus despojos para Campinas e, ainda mais, instalá-los em praça pública central, é a expressão máxima de que vontade de morto nada vale.



Amargurado, doente, abandonado, sem dinheiro, num verdadeiro inferno astral, como muitos hoje diriam, o compositor, pouco antes de morrer, queria distância de Campinas. Em 1895 escrevia ao também campineiro  César Bierrenbach –  Não fui lembrado para um emprego qualquer no Conservatório de Música da Capital. Não tenho ânimo para pedir um lugar ao diretor daquele armazém de empregados; creio, porém, poder merecer (como abrigo) um lugar como o dos músicos portugueses que lá estão recebendo ordenados. No Rio de Janeiro não me querem nem para porteiro do Conservatório, em São Paulo nem para bolieiro, em Campinas, não me compreenderam, julgando-me um impostor, um forasteiro.” (Sílio Bocanera Jr – Um artista brasileiro)


E incompreendido ficou.  Após sua morte, Carlos Gomes passa a ser utilizado, e muito, como símbolo nacional.  Até os ditadores de 64 tiraram sua “casquinha”. Mas, vejam bem, foi o personagem apolítico Carlos Gomes, não sua obra. Mesmo não concordando com Oswald de Andrade, pelo menos ele não falseou com a memória do maestro, quando em artigo publicado no Jornal do Comércio de 12 de fevereiro de 1922, escreveu: “Carlos Gomes é horrível. Todos nós o sentimos desde pequenininhos. Mas como se trata de uma glória da família, engolimos toda a cantarolice do ‘Guarani’ e do ‘Escravo’, inexpressiva, postiça e nefanda”.

A importância da obra de Carlos Gomes ainda é uma ilustre desconhecida da maioria absoluta dos brasileiros. Incompreendido e desrespeitado continua. Para os fãs de histórias fantasmagóricas, de almas penadas que vagam em busca de sabe-se lá o que, Carlos Gomes  também pode ser um prato cheio.

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